As “fake news” devem ser combatidas de forma rápida e dinâmica para não se “cristalizar” como verdade
As redes sociais têm tido um papel de grande influência em comportamentos de massa nos últimos anos. A velocidade com que disseminam informações, de forma viral, permite que opiniões se propaguem de forma quase instantânea. O resultado pôde ser sentido, por exemplo, em eleições recentes, em todo o mundo. Não é diferente em relação a outros temas, como a saúde pública. A exemplo de qualquer outra ferramenta, seu uso pode ser feito tanto para o bem, quanto para o mal.
As redes sociais permitiram a difusão de conteúdo de qualidade em saúde para a população, por meio de páginas e influenciadores sérios, incluindo respeitadas instituições de saúde. Mas também permitiram a disseminação de falsas informações, as chamadas “fake news”, cujas fontes, muitas vezes, são impossíveis de serem verificadas. Os chamados “robôs” (bots), contas automatizadas que usam inteligência artificial, podem influenciar o comportamento das redes. Na saúde pública, é preocupante sua influência quando há por trás interesses financeiros ou ideológicos, ao invés de técnicos ou científicos.
Riscos à saúde pública
Há dois grandes exemplos, entre outros, de impacto negativo da desinformação disseminada nas redes sociais sobre a saúde pública. O principal alvo tem sido as vacinas. Nos Estados Unidos, o uso de robôs que se disfarçam de profissionais da saúde para enganar a população já foi documentado. Mais preocupante, ainda, é o fato de que a população em geral – e não apenas a parcela influenciada pela desinformação – possa ser prejudicada por tal “ativismo”, uma vez que aqueles que não se vacinam tornam-se reservatórios de agentes infecciosos e transmissores para indivíduos vulneráveis. A desinformação quanto às vacinas, portanto, pode comprometer o chamado princípio da “imunidade de manada”, obtida quando uma parcela suficiente da população é vacinada, de forma que o vírus não consiga mais circular na população, protegendo mesmo aqueles não vacinados.
Contudo, não há dados consolidados comprovando a relação causal entre as redes sociais e recentes surtos de doenças, como sarampo, nos EUA e na Europa. Já, no Brasil, a cobertura vacinal tem sido afetada por outros motivos, como cortes na saúde decorrentes da recessão econômica de 2015 e 2016, além da crise humanitária na Venezuela, entre outros fatores.
Outro exemplo do impacto da desinformação disseminada em redes sociais é consubstanciado por dados mais consolidados. A recente pandemia do vírus Zika deixou claro o papel de robôs ao alterar a percepção da população sobre o tema, criando pânico e rumores. É fato que a associação emergente do Zika com graves consequências, como a microcefalia, levou a questão ao topo das manchetes globais, o que por si só gerou pavor entre a população e fez a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretar, em 2016, a pandemia como emergência de saúde pública internacional. Porém, o próprio desconhecimento da comunidade científica a respeito do vírus abriu espaço para que boatos emergissem e fossem disseminados nas redes, como a falsa informação de que não seria o vírus o responsável pela microcefalia, mas sim um larvicida. Nem mesmo as vacinas foram poupadas. Alguns boatos tentaram atribuir a microcefalia às vacinas distribuídas pelo governo brasileiro. O impacto negativo desses boatos é preocupante, pois pode dificultar o controle do vetor e a cobertura vacinal.
Papel dos médicos
Além de ações legislativas, as próprias plataformas das redes sociais podem fiscalizar a presença de robôs na disseminação de “fake news”, tornando explícito o responsável por eles. As mesmas redes podem ser usadas também como oportunidade para corrigir os boatos e propagar conhecimento verdadeiro. Por exemplo, poderiam ser criados algoritmos que ofereçam ao usuário a opção de ver “histórias relacionadas” ao assunto ao qual ele foi exposto, trazendo informação verificada pela comunidade científica e evitando práticas agressivas de censura.
As instituições de saúde também devem combater ativamente a desinformação. É necessário um esforço intenso para entender a natureza do problema, quais os reais agentes por trás dele e o conteúdo falso disseminado. Autoridades, como o Ministério da Saúde (MS), devem fortalecer campanhas com estratégias de comunicação agressiva nas redes sociais, que sensibilizem a população sobre o impacto das “fake news”. Um bom exemplo foi a recente campanha do MS, que buscou sensibilizar indivíduos influenciados por notícias falsas contra vacinas, disseminadas nas redes, colocando-os em contato com uma pessoa portadora de sequelas de poliomielite, que contraiu a doença por não ter sido vacinada.
É importante, ainda, que os médicos e demais profissionais de saúde participem ativamente do combate às notícias falsas. O Cremesp prega cautela, no nível individual, na replicação de conteúdos nas redes sociais por parte dos profissionais da medicina e os encoraja a serem agentes nas iniciativas de refutar boatos em saúde. Ao se deparar com desinformação, cabe a esses profissionais reportá-la à plataforma, além de poder contribuir com o correto contraponto, por exemplo, por meio de comentários. Estudos apontam que essa iniciativa pode ser tão eficaz quanto estratégias como as “histórias relacionadas” adotadas pelas plataformas. É fundamental, portanto, que os médicos estejam conscientes do papel que exercem na sociedade e usem esse status para estimular, compartilhar e replicar, por exemplo, campanhas oficiais sobre vacinação e eliminação de focos de mosquitos.
É sabido que a informação falsa é mais difícil de ser combatida conforme o tempo passa, pois, à medida em que é replicada e difundida, tende a se “cristalizar” como se fosse verdade. As intervenções para combatê-la devem ser, portanto, rápidas e dinâmicas, capazes de se adaptar à velocidade das redes sociais. Parcerias com as plataformas são necessárias, mas devem vencer as desconfianças que apresentam, no contexto político, ao se despirem de qualquer viés que não sejam os critérios técnicos e científicos.
Todas essas ações são mais eficazes do que censuras, que podem alimentar teorias da conspiração. Propomos, portanto, o fortalecimento de iniciativas de instituições e autoridades que se contraponham às notícias falsas, priorizando sempre uma curadoria de excelência do conteúdo que difundirem, sempre pautados por critérios técnicos e científicos. Divulgar informação de qualidade e reportar boatos, podem ter, assim como as “fake news”, um efeito em cascata, de “manada”, com impactos positivos na saúde pública.
Principais pontos
Como outras ferramentas, as redes sociais podem ser utilizadas para o bem e para o mal.
Na saúde pública, é preocupante eventual interesse financeiro ou ideológico na divulgação de notícia falsa.
Um importante alvo das “fake news” tem sido as vacinas. A desinformação quanto aos imunizantes pode comprometer o princípio da “imunidade manada”.
A pandemia do vírus Zika expôs a utilização de robôs sobre o tema nas redes sociais, criando pânico e rumores.
Cabe às instituições de saúde um papel ativo no combate à desinformação.
É importante que os médicos participem ativamente do combate às notícias falsas.
As “fake news” devem ser combatidas de forma rápida e dinâmica para não se “cristalizar” como verdade.
Ministério da Saúde disponibiliza número de WhatsApp para denúncias
de notícias falsas
Para combater as “fake news” sobre a saúde, o Ministério da Saúde disponibiliza um número de WhatsApp para envio de mensagens da população. Qualquer cidadão poderá enviar gratuitamente mensagens com imagens ou textos que tenha recebido nas redes sociais para confirmar se a informação procede, antes de continuar compartilhando. O número é (61) 99289-4640
*Por Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo – Coordenador do Departamento de Comunicação do Cremesp
Referências:
Bode, L., &Vraga, E. K. (2017). See Something, Say Something: Correction of Global Health Misinformation on Social Media. Health Communication, 33(9), 1131–1140.
Sharma, M., Yadav, K., Yadav, N., & Ferdinand, K. C. (2017). Zika virus pandemic—analysis of Facebook as a social media health information platform. American JournalofInfectionControl, 45(3), 301–302.
Por: Cremesp
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