A Associação Paulista de Medicina presta o seu apoio à nota da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), emitida na última quinta-feira, 15 de maio, solicitando a revogação da Resolução nº 2.427/2025 do CFM, que limita o acesso de pessoas com diversidade de gênero a cuidados essenciais de Saúde.
Leia a seguir o texto na íntegra:
Rio de Janeiro, 15 de maio de 2025
Nota Técnica e Ética
Introdução e Contexto
O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em 08/04/2025 a Resolução CFM nº 2.427/2025, que revoga a Resolução CFM nº 2.265/2019. Ambas as normativas tratam das diretrizes para o cuidado de pessoas com diversidade de gênero. A recente Resolução CFM nº 2.427/2025 aborda os direitos de crianças e adolescentes, com restrições em dois importantes tópicos revogados:
- Uso de bloqueadores hormonais: Permitidos a partir do estágio puberal Tanner II, desde que
autorizados em protocolos de pesquisa, de acordo com as normas do sistema CEP/Conep. - Terapia hormonal cruzada: Para pacientes a partir de 16 anos, com acompanhamento especializado,
avaliação psiquiátrica, autorização dos responsáveis legais e consentimento/assentimento do
adolescente.
Anteriormente, o bloqueio hormonal puberal e a terapia hormonal cruzada eram autorizados em Centros
Médicos de Referência, com descrição de especialidades incluindo a Pediatria para pacientes menores de 18 anos.
A atual Resolução CFM nº 2.427/2025 adota uma metodologia que restringe o acesso às necessidades de
saúde em vez de regulá-lo, impactando uma população já discriminada e em situação de vulnerabilidade.
Análise sob os Princípios clássicos da Bioética
Ao comparar as modificações da nova resolução com os princípios clássicos da bioética, observa-se:
- Beneficência: Reduzida, pois limita o acesso a tratamentos adequados.
- Não maleficência: Comprometida, já que a restrição pode agravar a saúde mental dos pacientes.
- Autonomia: Prejudicada, ao desconsiderar a autonomia relativa de adolescentes a partir de 16 anos.
- Justiça: Violada, por contrariar o direito à saúde garantido pelo SUS e pela Constituição Federal.
Além disso, a Resolução CFM nº 2.427/2025 desconsidera evidências científicas recentes que demonstram:
- Melhora na qualidade de vida com intervenções precoces (Tordoff et al., 2022).
- Baixas taxas de arrependimento (0,5% a 2,0%; Olson et al., 2024).
- Riscos associados à não intervenção, como maior prevalência de transtornos mentais e suicídios.
Dessa forma, a resolução não observa princípios bioéticos e agrava a exclusão dessa população, focando em proibições em vez de regulamentar o acesso.
Complexidade do Tema
A diversidade de gênero é um tema complexo, envolvendo aspectos médicos, culturais e sociológicos.
Quaisquer legislações e normatizações devem considerar essa multidimensionalidade, e a vedação sumária ao acesso à saúde não pode ser uma opção.
Os médicos devem adotar uma postura crítica e reflexiva, acompanhando as mudanças nas evidências
científicas para oferecer um plano terapêutico individualizado, centrado em cada paciente sob
perspectivas médica, emocional e social.
Conclusão
A Resolução CFM nº 2.427/2025, com suas restrições, agrava as vulnerabilidades de uma minoria já excluída, ao desconsiderar princípios bioéticos e evidências científicas que apoiam intervenções terapêuticas personalizadas, mesmo em protocolos experimentais.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) reafirma seu compromisso com os direitos de crianças e
adolescentes, defendendo:
- Acesso universal a recursos diagnósticos e terapêuticos baseados em ciência.
- Proteção integral dessa população, garantindo tratamentos éticos e seguros.
Proposta e Recomendações
- Revogação da Resolução CFM nº 2.427/2025, como retorno da Resolução anterior de nº 2.265/2019,
que inclui:
- Retomada do uso de bloqueadores hormonais a partir do estágio puberal Tanner II, em protocolos de pesquisa, de acordo com as normas do sistema CEP/Conep, em hospitais universitários e/ou de referência para o Sistema Único de Saúde (SUS).
- Reautorização da terapia hormonal cruzada a partir dos 16 anos, conforme fora estabelecido na Resolução CFM nº 2.265/2019 (anterior), com acompanhamento especializado, avaliação psiquiátrica, consentimento dos responsáveis e assentimento do adolescente.
- Criação de um protocolo nacional de diretrizes para o cuidado de pessoas com diversidade de gênero, elaborado por sociedades científicas.
- Implantação de uma Rede de Serviços de Referência no SUS, com:
- Centros multidisciplinares (Endocrinologia, Saúde Mental, Pediatria).
- Fluxo organizado e hierarquizado em território nacional.
4. Alinhamento com diretrizes internacionais fundamentadas em evidências científicas reconhecidas.
5. Criação de um registro nacional de desfechos clínicos em incongruência de gênero, fomentando
pesquisas sobre segurança e eficácia de intervenções precoces.
Esta Nota buscou fundamentos em Departamentos Científicos (DC) da SBP: DC de Endocrinologia, DC de
Medicina do Adolescente; e no Grupo de Trabalho da SBP (GT) de Saúde Mental; bem como em referências anexadas.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA