O que você faria se seu paciente rejeitasse o procedimento recomendado por você? Simplesmente encerraria a consulta? Abandonaria o paciente? Ou simplesmente aceitaria.
O que você faria se seu paciente rejeitasse o procedimento recomendado por você? Simplesmente encerraria a consulta? Abandonaria o paciente? Ou simplesmente aceitaria.
Certamente é uma situação peculiar, pois normalmente o paciente acata a recomendação médica. Ocorre que o paciente tem direitos e recusa do tratamento é um deles. Essa autonomia já é prevista no Código de Ética Médica em diversos dispositivos, mas o tema é de tamanha relevância que no mês de setembro desse ano o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 2.232/19.
No texto abaixo faço comentários sobre a resolução e emito minha opinião pessoal ao final, e ainda, esclareço como e quais casos essa autonomia das partes pode ser exercida.
Esperamos que façam boa leitura.
– Da Resolução CFM nº 2.232/19
– Da recusa do paciente
A autonomia do paciente é um direito derivado princípio da dignidade da pessoa humana, preconizado logo no artigo 1º da Constituição Federal, e obviamente também no Código de Ética Médica.
No entanto, embora de ordem imperativa, se reveste de alguns critérios para que o paciente possa exercê-lo em sua plenitude. O primeiro deles é que este realmente tenha condições de tomar a decisão, ou seja: maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente, e desde que o tratamento proposto seja eletivo.
No entanto há situações em que o médico não deve aceitar a recusa do paciente: Os principais critérios são:
- quando houver risco à saúde;
- paciente sem condições de expressar livremente a sua vontade, ainda que esteja representado parentes, e
- Quando a decisão de recusa for capaz de afetar terceiros (como gestante, pacientes com doenças transmissíveis ou que exponha a população em risco).
O tratamento deve ser eletivo, ou seja, o médico não deve aceitar a recusa terapêutica do paciente nos casos caracterizados por urgência/ emergência em que haja risco de morte. Sob tais condições deverá adotar todas as providências cabíveis e disponíveis para preservar a vida do paciente, sob pena de responder judicialmente nas searas cível e penal, bem como administrativa perante o CRM/CFM.
Uma vez presente os requisitos, como qual cuidados o médico precisa ter? Aceita a recusa, deve certificar-se de registrar todo o ocorrido no prontuário e providenciar (recomendamos a forma escrita e protocolada) a informação do caso à direção técnica. Se houver outro tratamento disponível, terá a faculdade de oferecer.
– DA OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA DO MÉDICO
A resolução também aborda a chamada “objeção de consciência” do médico, que nada mais é do que o direito de recusar o atendimento ao paciente médico que decidiu pela recusa terapêutica proposta. Para tanto, também deve registrar o ato em prontuário e comunicar o fato a direção técnica (se for o caso).
É vedado ao médico utilizar a objeção de consciência quando:
- ausente outro médico,
- casos de urgência e emergência, e
- quando a recusa trouxer danos à saúde do paciente.
Nesses casos, da mesma forma, deverá adotar o tratamento indicado, ainda que o paciente exprima sua recusa.
Importante lembrar que o Código de Ética Médica já permite que o médico renuncie o atendimento do paciente diante de situações que prejudiquem o bom relacionamento, mas para isso é necessário providenciar a comunicação ao paciente ou representante legal, assegurar que haverá continuidade do tratamento e fornecer informações para que o eventual próximo médico venha a assumir o caso.
Como sempre recomendamos, o médico (e todos) deve valer-se sempre da prática de guardar documentos para demonstração da regularidade dos atos. Nesse sentido, o CFM determina que a recusa do paciente seja preferencialmente por escrito e assinado por duas testemunhas, sendo admitido outros meios de registro, como áudio e vídeo, e que seja possível inseri-lo no prontuário.
Observando as regras acima o médico poderá acatar a recusa do paciente e valer-se da objeção de consciência, e tal ato não será caracterizado ato infracional ético.
– NOSSA OPINIÃO
Particularmente, com o objetivo de acrescentar, é opinião pessoal desse subscritor que o médico deve dedicar atenção à humanização no atendimento de seus pacientes.
Como se verifica, a recusa do tratamento é direito do paciente e, cumprido os requisitos, é dever do médico respeitar a decisão do paciente. Ocorre que é fácil elaborar um documento, mandar o paciente assinar e liberá-lo.
No entanto, certamente não é esse o ideal de relacionamento médico-paciente que se espera, que se chegou a esse ponto, já não existe mais. A negativa do paciente pode ser uma recusa inicial ao tratamento e deve ser analisada por uma equipe multidisciplinar, para informá-lo adequadamente e entender o motivo da recusa. Um “bate-papo” informal pode dissuadir da recusa e submete-lo a um tratamento ideal.
Aliás, agindo assim, o médico estará cumprindo um dos maiores direitos do paciente: o da informação.
Até a próxima.
Fernando Godoi
Advogado especialista em Direito Médico